CARTA CIRCULAR ABERTA

Brasília, 27 de fevereiro de 2015.

POVOS INDÍGENAS, POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS E AGRICULTORES FAMILIARES REPUDIAM PROJETO DE LEI QUE VENDE E DESTRÓI A BIODIVERSIDADE NACIONAL

Os Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e os Agricultores Familiares do Brasil, representados por suas entidades e organizações parceiras abaixo assinadas, vêm expor o seu posicionamento sobre o Projeto de Lei n.º 7.735/2014 (atual PLC n.º 02/2015), que pretende regulamentar o acesso e a exploração econômica da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras, bem como dos conhecimentos tradicionais associados.

De início, registramos que os Povos e Comunidades acima mencionados estão plenamente cientes da atual ofensiva verificada no Brasil contra seus direitos fundamentais, garantidos pela Constituição Federal, pela legislação ordinária e por Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil, contexto no qual se insere o PL n.º 7.735/2014, apresentado ao Congresso Nacional pelo governo federal em regime de urgência. Em razão desse cenário, que ameaça a própria existência dos Povos e Comunidades Tradicionais, informamos que as entidades representativas encontram-se unidas e mobilizadas com a determinação de lutar conjuntamente na defesa de seus direitos historicamente conquistados, os quais constituem a base da soberania e democracia constitucional do País.

Especificamente em relação ao PL n.º 7.735/2014, que pretende anular e restringir nossos direitos, repudiamos a decisão deliberada do Poder Executivo de nos excluir do processo de sua elaboração, sem qualquer debate ou consulta, em violação à Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), à Convenção da Diversidade Biológica (CDB), ao Tratado Internacional dos Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura/FAO (TIRFAA) e à Constituição Federal. Em contraste a isso, denunciamos o amplo favorecimento dos setores farmacêutico, de cosméticos e do agronegócio (principalmente sementeiros), a ponto de ameaçar a biodiversidade, os conhecimentos tradicionais associados e programas estruturantes para a segurança e soberania alimentares, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com a possibilidade inclusive de legalização da biopirataria.

Tal cenário, reconhecido pelo próprio Governo, resultou em grave desequilíbrio no conteúdo do Projeto de Lei em questão. Além de anistiar as irregularidades e violações históricas e excluir qualquer fiscalização do Poder Público sobre as atividades de acesso e exploração econômica, o PL n.º 7.735/2014 viola direitos já consagrados na legislação brasileira, o que pode ser claramente verificado nos seguintes pontos principais:

(1) Em relação ao acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais:

a) Deixa de prever e inviabiliza a negativa de consentimento prévio dos povos e comunidades tradicionais;

b) Flexibiliza a comprovação do consentimento livre, prévio e informado, em detrimento da proteção de conhecimentos coletivos;

c) Dispensa o consentimento livre, prévio e informado, para o acesso ao patrimônio genético e conhecimento tradicional associado relacionado à alimentação e agricultura; e

d) Permite que empresas nacionais e internacionais acessem e explorem, sem controle e fiscalização, o patrimônio genético brasileiro e os conhecimentos tradicionais associados, permitindo, por exemplo, o acesso de empresas estrangeiras a bancos de sementes.

(2) No que tange à repartição de benefícios:

a) Prevê que apenas produtos acabados serão objeto de repartição de benefícios, excluindo os produtos intermediários;

b) Restringe a repartição de benefícios aos casos em que o patrimônio genético ou conhecimento tradicional for qualificado como elemento principal de agregação de valor ao produto;

c) Isenta de repartição de benefícios todos os inúmeros casos de acessos realizados anteriormente ao ano de 2000, e mantém explorações econômicas até hoje;

d) Condiciona a repartição de benefícios apenas aos produtos previstos em Lista de Classificação a ser elaborada em ato conjunto por seis Ministérios;

e) Estabelece teto, ao invés de base, para o valor a ser pago a título de repartição de benefícios;

f) Deixa a critério exclusivo das empresas nacionais e internacionais a escolha da modalidade de repartição de benefícios nos casos de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional de origem não identificável;

g) Isenta microempresas, empresas de pequeno porte e micro empreendedores individuais de repartir benefícios; e

h) Exclui de repartição de benefícios a exploração econômica do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado relacionado à alimentação e agricultura.

(3) No que se refere às definições:

a) Substitui o termo “povos” por “população” ao tratar de povos indígenas;

b) Substitui o termo “agricultor familiar” por “agricultor tradicional”, em afronta à Lei 11.326/2006;

c) Descaracteriza a definição de “sementes crioulas” contida na Lei n.º 10.711/2003;

d) Deixa de prever que o atestado de regularidade de acesso seja prévio e com debates participativos sobre seus termos ao início das atividades; e

e) Enfim, adotou conceitos à revelia dos detentores dos conhecimentos tradicionais.

Diante do exposto, os Povos Indígenas, os Povos e Comunidades Tradicionais e os Agricultores Familiares do Brasil exigem o comprometimento do Governo Federal com a reversão do cenário acima denunciado, mediante a correção dos graves equívocos contidos no Projeto de Lei n.º 7.735/2014, de forma a assegurar o respeito e a efetivação dos seus direitos legal e constitucionalmente garantidos.

Declaramos que não mais admitiremos a postura antidemocrática e o engajamento político do Governo Federal, associado aos interesses empresariais e outros, em direção à expropriação da biodiversidade e da agrobiodiversidade brasileiras e dos conhecimentos tradicionais associados.

Reafirmamos, por fim, a nossa determinação de continuar unidos, mobilizados e dispostos a manter-nos em permanente luta na defesa de justiça e de nossos direitos.

Assinam a presente carta:

1. Amigos da Terra Brasil

2. Articulação do Semiárido – ASA Brasil

3. Articulação do Seminário – ASA Paraíba

4. Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME

5. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

6. Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste – ARPINSUDESTE

7. Articulação dos Povos Indígenas do Sul – ARPINSUL

8. Articulação Mineira de Agroecologia – AMA

9. Articulação Nacional de Agroecologia – ANA

10. Articulação Pacari

11. Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses

12. Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas

13. AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia

14. Associação Agroecológica TIJUPÁ

15. Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica

16. Associação Brasileira de Agroecologia

17. Associação Brasileira de Estudantes de Engenharia Florestal – ABEEF

18. Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO

19. Associação Cedro – Centro de Estudos e Discussões Romani

20. Associação das Mulheres Organizadas do Vale do Jequitinhonha

21. Associação das Panhadoras de Flores

22. Associação de Agricultura Biodinâmica do Sul

23. Associação de Comunidades da Diáspora Africana por Direito à Alimentação – Rede Kodya

24. Associação de Mulheres Catadoras de Mangabas

25. Associação dos Agricultores Guardiões da Agrobiodiversidade de Tenente Portela – AGABIO

26. Associação dos Retireiros do Araguaia – ARA

27. Associação dos Trabalhadores Assalariados Rurais de Minas Gerais – ADERE/MG

28. Associação Floresta Protegida (Mebengôkre/Kayapó)

29. Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN

30. Associação Nacional Ciganas Calins

31. Associação Nacional da Agricultura Camponesa

32. Associação Nacional da Cultura Bantu – ACBANTU

33. Associação para a Pequena Agricultura no Tocantins – APA-TO

34. Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia – AOPA;

35. Associação Paraibana dos Amigos da Natureza – APAN,

36. Bionatur

37. Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida

38. Central de Associações de Produtores Orgânicos do Sul de Minas – Orgânicos Sul de Minas

39. Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA-NM

40. Centro de Tecnologias Alternativas – CETAP

41. Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA)

42. Centro Ecológico

43. Comissão Guarany Ivyrupa

44. Comissão Nacional das RESEX Costeiras e Marinhas – CONFREM

45. Comissão Nacional das RESEX Costeiras e Marinhas – CONFREM

46. Comitê Chico Mendes (CCN)

47. Conselho do Povo Terena

48. Conselho dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul

49. Conselho Indigenista Missionário – CIMI

50. Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS

51. Cooperativa Coppabacs – AL

52. Cooperativa Econativa

53. Cooperativa Grande Sertão

54. Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB

55. Coordenação Nacional das Comunidades Caiçaras (CNCC).

56. Coordenação Nacional Quilombola – CONAQ

57. ECOA – Ecologia & Ação

58. Entidade Nacional dos Estudantes de Biologia

59. FASE – Solidariedade e Educação

60. Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional

61. Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social

62. Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos

63. Forum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos de Matriz Africana-FONSANPOTMA.

64. Fundação Vida Para Todos – ABAI

65. Gambá – Grupo Ambientalista da Bahia

66. GERMEN-Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental

67. Grande Assembleia do Povo Guarani – Aty Guasu

68. Grupo Carta de Belém

69. Grupo de Trabalho Amazônico – GTA

70. Grupo de Trabalho Biodiversidade / ANA

71. Grupo Pau-Campeche de Florianópolis – GPC

72. Ingá/RS

73. Instituto Búzios

74. Instituto de Estudos Socieconômicos – INESC

75. Instituto Sociedade População e Natureza –ISPN

76. Instituto Socioambiental – ISA

77. Levante Popular da Juventude

78. MAJUP (Movimento de Assessoria Jurídica Universitária Popular)

79. Memorial Chico Mendes

80. Mobilização Fundação SOS Mata Atlântica

81. Movimento das Aprendizes da Sabedoria (Benzedores e Benzedeiras, Parteiras, e Costureiras de Rendidura)

82. Movimento de Mulheres Camponesas – MMC

83. Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP

84. Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

85. Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Paraná – MOPEAR

86. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

87. Movimento Geraizero

88. Movimento Nacional dos Pescadores – MONAPE

89. Movimento Nacional dos Pescadores- MONAPE.

90. Movimento Urbano de Agroecologia – MUDA

91. Núcleo Amigos da Terra Brasil

92. Núcleo de Cultura e Extensão – PTECA/ESALQ-USP

93. ONG Vale Verde Associação de Defesa do Meio Ambiente

94. Rede caiçara de cultura União dos Moradores da Jureia,

95. Rede Cerrado

96. Rede de Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro

97. Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras

98. Rede de Educação Cidadã – RECID

99. Rede Eco Vida de Agroecologia

100. Rede Puxirão de Povos e Comunidades Tradicionais

101. Serviço de Tecnologia Alternativa – SERTA

102. Sociedade Civil da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais – CNPCT

103. Terra de Direitos

104. União Agroecológica de Inconfidentes – UAI

105. Via Campesina

106. Via Campesina Sudamerica

107. WWF

 

(assinaturas atualizadas em 04/03/2015)