AS-PTA e Negritudes por Letícia Ribeiro, Eng. agrônoma e assessora técnica da AS-PTA

O Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, promove maior repercussão aos temas relacionados à população negra sobretudo no Rio de Janeiro, pois rememora a sua luta coletiva no passado e no presente. A data faz referência à morte, em 1965, de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, símbolo de resistência contra o sistema de colonização escravista europeu. Neste mês, símbolo do direito à memória e história coletiva de resistência da população negra, devemos aproveitar para refletir sobre a importância de trabalharmos a justiça racial, o racismo ambiental, assim como os espaços de exclusão da negra e do negro na sociedade e buscarmos estratégias de combater essa exclusão a fim de conquistarmos espaços mais justos com uma real inserção deste segmento populacional. O racismo estrutural e, em muitos casos, políticas públicas que deveriam reduzir desigualdades, acabam reforçando-as, atingindo diretamente a população negra, impelindo-a para uma situação de precariedade, aumento de exclusão, agravamento da vulnerabilidade social, com redução dos programas de ações afirmativas e de garantia dos direitos quilombolas. Nesse contexto, o Projeto Sertão Carioca: Conectando Cidade e Floresta, que tem centralidade em três quilombos que são sinônimos de aquilombamento na cidade do Rio de Janeiro, vem a fortalecer as ações que visam garantir direitos das populações majoritariamente negras dos Quilombos. Para a AS-PTA aprovar um projeto construído coletivamente que reconhece, apoia e valoriza a história política, identitária, cultural e religiosa dos Quilombos Dona Bilina, Cafundá Astrogilda e Camorim, símbolos de resistência na cidade do Rio de Janeiro, é motivo de felicidade e orgulho. Por fim, preciso reforçar que a luta pela igualdade racial é responsabilidade comum e deve ser enfrentada por todos e não só nós negras e negros. Não basta não ser racista, mas é preciso ser ANTIRRACISTA.

 

Por que Quilombo? por Rita Montezuma – Profa. Adjunta, Depto. Geografia/UFF, coordenadora do NIPP

Aos olhos dos incautos parece extemporânea a retomada do termo quilombo no século XXI. Entretanto, a extemporaneidade adquire o tom da urgência ao ser revelada a história escondida, talvez camuflada, que a história oficial não nos conta (como nos ensina o belíssimo samba enredo da Mangueira de 2019). Desde os idos de 1550, quando aporta em solo brasileiro o primeiro navio negreiro trazendo negros/as sequestrados/as e escravizados/as para a geração de riquezas do país, riqueza gerada a partir da força de trabalho e dos conhecimentos dos povos negros africanos. É assentada sobre os passos de nossas/os ancestrais que olhamos para a importância do reconhecimento de direitos de existência dos territórios quilombolas.  Quilombo tem origem no antigo reino do Kongo, precisamente no que hoje corresponde parte da atual Angola, e designa o espaço onde são forjados os guerreiros e as guerreiras, de formação militar para exércitos de homens e mulheres que protegiam o reino, sendo, portanto, territórios de iniciação de guerreiros/as e de resistência. O reino do Kongo se caracterizava na organização de povos matrilineares, plurilinguistas e multiculturais. No Brasil a organização dos quilombos tem sua origem na fuga de africanos/as escravizados/as em busca da liberdade e de seus direitos de existência. O território quilombola se torna o espaço de abrigo majoritariamente negro, mas também constituído por outros grupos em busca do mesmo, como os povos originários e parte dos/as brancos/as fugidos/as, se configurando como território de resistência às injustiças da escravidão colonial em um primeiro momento e, posteriormente, imperial. A organização social existente em África, devido à presença africana e afrodescendente, é retomada consistindo em áreas de policultura, comercialização com as centralidades urbanas e rurais, muito similares ao que se praticava no reino do Kongo. Ora eram territórios temporários, ora estabilizados, sobretudo após a abolição da escravatura. Vários dos antigos quilombos permanecem até hoje, nem todos reconhecidos legalmente, mas vários já assumindo seu caráter original e se reconfigurando em torno da sua ancestralidade, identidade, mas também se readequando a outras formas de existir e resistir. Então, por que Quilombo? Um breve olhar pela história recoloca em pauta a necessidade reivindicatória da negritude ao verificarmos que, mesmo passados 470 anos desde primeiro navio negreiro, a condição social do negro permanece injusta. Evocando Abdias Nascimento, dentre tantos outros ilustres nomes da história negra, trago a razão do Quilombismo e, dessa forma, do Aquilombamento entre nós: a importância de uma proposta sócio-política para o Brasil, elaborada a partir do ponto de vista da população afrodescendente. Uma proposta que defende seu direito legítimo à terra, suas formas de existir, assentes nos princípios de “igualitarismo democrático […] compreendido no tocante a sexo, sociedade, religião, política, justiça, educação, cultura, condição racial, situação econômica, enfim, todas as expressões da vida em sociedade” (Elisa Larkin NASCIMENTO, em Quilombismo, 2019, 3ª Ed., IPEAFRO). Também na sua Cosmopercepção, onde o ambientalismo praticado busca assegurar uma vida saudável na integração de todas as criaturas e formas de manifestação da natureza. Neste projeto nossa atuação se dá no sentido da valorização dos saberes ancestrais, nas formas de vida atuais e na importância da preservação desse patrimônio material e imaterial que são nossos quilombos urbanos. Valorizar nossos quilombos é evocar os princípios pelo direito de existir, de forma mais justa e igualitária, a partir do território que é o berço de toda a humanidade: África.

 

Quilombos presentes no Maciço da Pedra Branca – Rio de Janeiro, RJ

  • Quilombo Camorim – por Adilson Batista de Almeida, presidente da ACUQCA (Associação Cultural Quilombo Camorim)

Há 17 anos o Quilombo do Camorim festeja o Dia da Consciência Negra. Para nós, um dia festivo para marcar a resistência do povo preto. Apenas uma data simbólica. Porque para quem é negro, quilombola, todos os dias são dias de resistência. A festa começou sendo chamada de “Festa em homenagem a Zumbi dos Palmares”, já que a data escolhida para marcar tal dia foi em função do dia da morte desse herói brasileiro, 20 de novembro. Mas sabendo da importância da figura feminina no contexto da luta do povo escravizado, das várias Anastácias  (Anastácia  viveu na Bahia e em Minas Gerais, e colaborava na fuga do seu povo);  as Luizas Mahín  (Luiza Mahín vivia na Bahia e atuou na Revolta dos Malês, um levante do povo negro feito na Bahia); as Terezas de Benguela (Tereza de Benguela foi líder quilombola do Mato Grosso); as Zeferinas (Zeferina foi líder do quilombo de Urubu, na Bahia); as Marianas Crioulas (Mariana  Crioula  fundou junto com Manuel Congo um Quilombo em Paty dos Alferes, no Rio de Janeiro), entre tantas outras,  resolvemos reverenciar uma mulher no nome da nossa festa. Desde então ela se chama “Festa em homenagem a Dandara e Zumbi dos Palmares”, pela representação dessa figura feminina que ao lado de Zumbi lutou no Quilombo dos Palmares. No que seria a sua data de maioridade, a 18º Festa, o mundo foi pego por essa pandemia. Seguindo instruções sanitárias, não iremos realizar a nossa festa do jeito que sempre gostamos. Pessoas vindas de todos os cantos da cidade, e de fora dela, além da participação da nossa comunidade. Jongo, maracatu, samba, barracas de artesanato e a tradicional feijoada sendo degustada no nosso espaço. Respeitamos o momento. Respeitamos as vidas ceifadas, inclusive entre nós, por esse vírus. Por isso a comemoração será marcada pela consciência de cada um de nós. Segundo a historiadora Beatriz Nascimento, o quilombo de hoje não é mais aquela área delimitada e habitada por uma população homogênea, um agrupamento de negros descendentes dos escravizados fugitivos. Segundo a historiadora, o quilombo nos dias atuais, assume um significado amplo de resistência negra, em diversos espaços, não somente o físico. Por isso essa resistência vai além dos nossos lugares, dos nossos espaços. É preciso “aquilombar-se” !!! É necessário resistir para existir.

Feliz dia nosso!!!!

 

  • Quilombo Dona Bilina – Rio da Prata – por Alice do Quilombo Dona Bilina

Dia da Consciência Negra

Neste 20 de novembro a Associação de Remanescentes Quilombola Dona Bilina quer convidar aos quilombolas, aos afrodescendentes e a todos que lutam contra o racismo à unidade e a prática Ubuntu que nos reconecta ao sentimento de humanidade, a espiritualidade e a íntima relação com o ambiente natural. Convocamos a nos aquilombar e caminhar na busca da equidade e equilíbrio,  onde o homem negro deixe de estampar as páginas de sangue dos jornais, onde a mulher negra tenha direito ao trabalho digno e ao parto seguro, onde a criança negra possa brincar livremente sem a chance de ser encontrada por uma bala perdida, onde a juventude negra possa estudar em escolas de qualidade, onde todos tenham direito a moradia e ao alimento de qualidade, onde os saberes tradicionais possam ser respeitados e livremente ensinados, onde brancos, índios e negros possam pisar no mesmo chão.

Salve Zumbi!
Salve Dandara!
Ubuntu!
Oxalá!

 

  • Quilombo Cafundá Astrogilda – Vargem Grande

Em virtude da pandemia de Covid 19, esse ano, o Quilombo Cafundá Astrogilda não vai fazer nenhuma atividade no dia 20, porque a aglomeração é inevitável, e tem muitas pessoas idosas que gostam de participar, muitos outros que são grupo de risco; consideramos inapropriada a exposição.

Vamos fazer uma pequena publicação no face falando a respeito.

 

CEDICUN – Centro de Estudos e Divulgação das Culturas Negras – por Gicele, presidente do CEDICUN

O CEDICUN nasceu no dia 09 de maio de 1988, tem como patrono João Cândido, herói da Revolta da Chibata e objetiva divulgar as Culturas Negras.

O CEDICUN persiste firme no propósito de combater todo e qualquer tipo de preconceito. Temos consciência de que é árdua a nossa batalha, visto que muitos ainda acreditam no mito da democracia racial. Não esmoreceremos. Apesar de todos os obstáculos, temos resistido e nos fazemos presentes, somando na luta contra a desigualdade, para atingirmos a verdadeira liberdade. Essa é a nossa meta. Nos seus 32 de existência, tem atuado em importantes projetos culturais e pedagógicos, em parceria com importantes entidades representativas como: COMDEDINE (Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro), FEUC, SINPRO, 9ª CRE, Coletivo Cultural do Rio da Prata, SEPE, Grupo M.A.C.A.C.O. (Movimento de Arte e Cultura Alternativa, Comunitária e Organizada),  Lona Cultural Elza Osborne, Espaço Serra e Mar, Regional de Campo Grande, MIRZO (Movimento Inter-religioso da Zona Oeste), A.M.B.(Articulação de Mulheres Brasileiras) entre outros.

 

SOWETO, SALVADOR, RIO

Não ligue para o que falam os amigos de copo

deve-se deixar de ser escravo

Mas nunca de ser negro

Casando com branco ou tendo filhos brancos

Não se deixa de ser negro

Com uma gorda conta bancária

Ou com um cargo de chefia

Ser negro não é defeito, é missão

Uma nobre missão

Fomos nós, os negros

Os alicerces para o progresso no mundo

Em tua veia, irmão, correm séculos e séculos

De injúria e escravidão

Tudo isso contado em nossa cultura

Cada samba cantado no terreiro

É um pedaço da nossa história,

Existem séculos de lágrimas

No rufar de cada atabaque,

Na nota de cada guitarra de blues ou de reggae

Porque a África é uma só

E é de lá que nós saímos

E não nos puderam calar

Os mais pobres de espírito, com pedras no coração

Porque os cadeados que fechavam as senzalas

Não nos fecharam a garganta

Ainda que nos explodissem o quilombo

Nosso canto ecoava com teimosia

E se espalhava pelas montanhas.

Até hoje, meu querido, embora sem chibatas ou tronco

Os feitores, de gravata, ainda nos querem presos

Nossas senzalas não são mais vigiadas

Elas agora têm o nome de favela,

Mucambo ou palafita (depende do lugar),

A história oficial não fala dos Malês

Nem que somos os que enchem os presídios

E reformatórios.

Essas coisas, inclusive, você já sabe.

Você só não sabe do sentimento

Do orgulho que eu tenho

Pelos meus cabelos duros,

Pelo escuro da minha pele e dos meus olhos

E esse orgulho que deixa de prontidão

O Zumbi, o Gangazumba guerreiro

Que a gente aprende a cultivar dentro da gente

É por essas e outras

Que temos que ocupar espaços

Para mostrar aos nossos filhos

E aos filhos de todas as raças

Que negro é sinônimo de beleza, coragem e luta,

Nunca de vergonha ou submissão.

Poesia: Sérgio Alves.

 

O projeto Sertão Carioca é realizado pela AS-PTA e articula as comunidades Quilombolas Cafundá Astrogilda (Vargem Grande), Camorim (Acuca Camorim) e Dona Bilina (Rio da Prata), além dos aquilombamentos urbanos e conta com patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental

Baixe o arquivo:

Folha Informativa N.6 – Divulgação das ações do Projeto Sertão Carioca: Conectando Cidade e Floresta

Para saber mais sobre os Quilombos, curta:

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